Heiligendamm acabou mais cedo ( para mim )



A rodagem foi pouco surpreendente, mas interessante. Por motivos que para aqui não são chamados estive pouco envolvida no que estava a ser a rodagem de "Global Pirates", tendo concentrado o meu interesse principalmente em tudo o resto que se estava a passar.
Partimos dia 1 de Junho, e pelo caminho vimos logo sinais do nosso destino. Afluência policial fora do normal na auto-estrada, e até nos campos em volta (provavelmente em busca de lugares estratégicos). À chegada a Rostock fomos mandados parar pela polícia, e obrigados a estacionar o carro num pequeno parque onde estavam 3 carrinhas policiais, e mais ou menos 20 agentes. Pediram os documentos, viram a bagageira, tudo rápido e eficiente devido ao facto de termos um press card. Estavam todos de uniforme verde tropa, com as suas armas, louros, homens e mulheres. Uma mulher polícia estendia-se na relva a apanhar sol. Mas nunca a sorrir. Polícia não pode sorrir.
Ao chegar ao acampamento pensei estar num festival de verão. Jovens por todo o lado, tendas e mais tendas.Logo realizei que não era assim quando as burocracias "anti-mediáticas" e de acesso ao acampamento estavam a ser tão grandes, e quase hostis, que nos mantiveram quase 1hora à espera, e sempre a ter que falar e explicar o que estávamos lá a fazer, quem éramos, a diferentes pessoas. Mais complicados que a polícia.
Montámos as tendas. E qual surpresa que durante um pequeno teste de material fomos abordados, ou mais exactamente, atacados, por um grupo de aproximadamente 20 franceses que se batiam contra a presença das nossas câmaras. Davam murros na carrinha, gritavam, discutiam : " We don´t give a fuck about your stupid movie. We dont want cameras in here!" A carrinha saíu passado uns minutos. Na manhã seguinte fomos nós que saímos. Estávamos com certeza no local errado do acampamento.

Dia 2 era o dia da grande manifestação pacífica em Rostock. A quantidade de pessoas era gigantesca, e aumentava a cada minuto que passava.A partida era da estação de comboio principal da cidade, onde estava montado um palco, e actuavam músicos. Quando cheguei tocava um norte-americano (cujo nome me escapou), e que cantava à lá Pete Seeger (à falta de comparação menor) canções de intervenção. Fez-se seguir por uma brasileira pertencente a um movimento que se chama via campesina, que não foi cantar mas ler um texto (também de intervenção, obviamente), e todos aplaudiam as críticas ao sistema capitalista e neoliberal, etc..A manifestação começou e eu estava numa fila interminável para comprar comida para a equipa, e fiquei para trás. Quando tentei avizinhar-me do meu grupo já era tarde. Precisava de passar pelo meio da manifestação onde já podia ver grupos de homens/rapazes vestidos de preto, dos pés à cabeça, a trocar olhares e a estrategicamente colocar-se em ruas paralelas, fazendo-se seguir de ruídos estrondosos de foguetes, garrafas, pedras,..o que fosse. E eu ali, sem bateria no telemovel, a ser ajudada por uma família alemã que estava na manifestação com crianças. Corriamos, nós e mais centenas de pessoas, pelas ruas acima a tentar fugir de todo o caos que se estava ali a criar.
Nos dias seguintes a tensão começou a gerar-se em todo o lado. A attac, que referi no post anterior, passou meses a promover as manifestações em debates televisivos, jornais, rádio, e a defender os manifestantes, contrariando a imagem violenta vulgarmente transmitida sobre a sua grande maioria. Agora estava determinada a afastar-se do tipo de acções violentas que aconteceram e pretendia abandonar o acampamento, e não participar do grande bloqueio no dia da cimeira. Conflitos dentro dos grupos de manifestantes já estavam a acontecer. Mesmo dentro dos grupos pacíficos as diferenças ideológicas, e de acção, são tão grandes, que era inevitável. Assisti a uma decepção enorme. Todos queriam bloquear, é um acto simbólico, mas viu-se pelas reacções em massa a que assisti em plenário, que no fundo,para a maioria dos manifestantes,a adrenalina de sentir que se está a fazer alguma coisa poderosa é verdadeiramente mais importante do que tudo o resto. Iniciou-se um jogo de argumentos falsos contra quem queria fazer uma acção que tivesse um verdadeiro impacto na opinião pública, e portanto, sob as questões contra as quais se batem. Acusando quem queria desistir de um bloqueio em conjunto com manifestantes violentos (que não seria possivel controlar), de estar a aliar-se aos media manipuladores. Não conheci uma pessoa naquele acampamento que apoiasse uma acção política e pouco "revolucionária", que poderia no futuro ter muito mais impacto, em pro de um acto simbólico.

A repressão policial (permanente vigia de helicóptero do acampamento onde estavam manifestantes maioritariamente pacíficos, que organizavam protestos criativos, workshops, etc.) criou o medo de um possível ataque e esvaziamento do acampamento, pela polícia, durante a noite. Por isso, aconselhada pelos meus superiores, tive que abandonar Rostock antes do dia da cimeira. Até agora nada de especial aconteceu por lá.

Queria ter voltado mais supreendida, mais esclarecida, mas ainda não foi desta.


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