Uma ficção em Berlim



Hermannplatz é um dos locais centrais do meu bairro - Kreuzberg - e a primeira vez que andei por lá pensei ter de repente chegado a Ankara. Burkas, peles escuras, barbas, veste longas, cigarros, frutas exóticas, e cheiros igualmente estranhos para uma cidade alemã. Hoje, sem planear, acabei a noite num restaurante que qualquer lisboeta cosmopolita que gosta de ir à cachupa de santos nos finais de sábado à noite, e considerar então que está a comunicar e conhecer a cultura das comunidades imigrantes, ía adorar.
Entrámos, e o intenso fumo senti-o logo. As paredes eram todas cor de vinho e tinham pontuais decorações. Íam do kitsch ao étnico. Além de nós estavam lá poucas pessoas, talvez 2 mesas ocupadas. Fomos então atendidas por uma senhora turca muito baixa, com um enorme cabelo pintado de louro, maquilhagem exagerada, e vestida a rigor. Sempre com um enorme sorriso nos lábios explicou que a noite era especial e mais relaxada porque o pai dela estava lá. Apontou para ele e logo um senhor turco, gordo, de barba branca, e claro, com o seu cigarro, acenou a cabeça na nossa direcção em forma de cumprimento.
Durante a nossa refeição, e com a noite cada vez mais avançada, íam chegando mais pessoas. O sobrinho, o tio, o amigo. E o cumprimento era sempre o forte e barulhento abraço. Nenhum deles seria um miscasting para uma qualquer ficção americana. E inevitavelmente, depois de ontem termos visto 4 horas seguidas de "Sopranos", a imaginação viajou. Algures entrou para lá a Adriana, com um casaco padrão leopardo, e enquanto ela caminhava em direcção à cozinha passou pela mesa onde estava sentado o Christopher, que a seguiu com o olhar. Estávamos, tínhamos a certeza, numa qualquer recriação do restaurante do Artie, versão turca.
O som de fundo era o de um orgão a ser tocado por um jovem turco, gordo, com olheiras imensas, que também cantava. Ouvíamos midis árabes. E por vezes a explosão de alegria surgia e lá vinham as palmas do canto da sala, a acompanhar os sons da terra.
Depois do delicioso pão turco, e grelhados, que pudemos ver confeccionados através duma enorme abertura na sala com vista para a cozinha, chegou um prato enorme com ananás, melancia e uvas. Era oferta do pai turco. O ananás estava docinho. Viva o pai turco.

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